Editorial
Quão pesada é uma cidade? A dificuldade em responder a esta questão aparentemente simples remete para um vasto conjunto de transformações que alteraram aquilo a que chamávamos cidade e o seu contexto: intensificação, construção, destruição, erosão, emissão, acumulação, duração, acidificação, semi-vidas, extinção, fossilização... Começa a delinear-se uma nova imagem de dimensão planetária. Calcular o peso da cidade exige uma mudança de perspectiva, ou seja, é necessário afastarmo-nos da imagem de um espaço densamente humano rodeado por um exterior indistinto, um outro espaço irreconhecível. Pressupõe uma nova estética, capaz de identificar os vestígios das actividades de uma fantasmagoria de entidades e de se sintonizar com os modos complexos de percepção da ciência, os múltiplos contributos da cibernética, e as novas associações e meandros da política.
Actualmente, pensar a cidade implica estabelecer uma ligação entre os espaços humanos e os espaços de todas as outras formas de vida, bem como os seus fluxos de matéria, energia e informação. Aquilo a que chamávamos cidade transformou-se numa intensificação de todos os processos que ocorrem à superfície da Terra. Pensar a cidade, hoje, é pensar numa relação coextensiva com a tecnosfera, o novo paradigma geológico que assinala a saída dos parâmetros holocénicos do sistema terrestre.
A cidade contemporânea dispersa-se em todas as direcções. É um sistema vasto e em expansão, impulsionado pela dinâmica da exploração dos combustíveis fósseis. É uma extensão da biosfera, composta pelos seus 8,2 x 10⁹ habitantes humanos, e por tudo o que nos mantém vivos, incluindo animais e plantas domesticados, pesca, plantações, terrenos agrícolas, infraestruturas, instituições, fontes de energia, sistemas de transporte global e reservas naturais. É uma cidade enredada numa multiplicidade de cidades de outras espécies.
A cidade é visível no céu, no crescente aumento de gases com efeito de estufa e na intensificação das tempestades e calor. A cidade está na terra, nas florestas e montanhas; na reconfiguração dos biomas e nos microplásticos presentes em quase todos os animais. A cidade está no desaparecimento da neve e no degelo dos glaciares; nos fluxos segmentados de água canalizada do que costumávamos chamar rios, e na retenção de sedimentos nos deltas. A cidade está na subida galopante do nível do mar; na reconfiguração da circulação oceânica; na pesca excessiva; e no desaparecimento dos recifes de corais.
A cidade contemporânea é a principal componente tecnológica da transição planetária do Antropoceno, cuja dinâmica desencadeia a rápida oscilação de todas as estruturas e sistemas que passaram a ser conhecidos como elementos inerentes ao sistema mundial moderno: identidade, nação, agregado familiar, local, classe, género, Estado, o internacional, o global... Todos surgem velozmente em contradição uns com os outros. Movendo-se entre estabilidade e dinâmicas complexas, extensão e intensificação, cibernética e linearidade, o actual sistema-mundo em crise não pode senão revelar-se um sistema terrestre numa trajectória instável.
A tecnosfera desafia a arquitectura, que é, em si mesma, a tecnologia da transformação da cidade. Vista de dentro, a cidade surge como o resultado de inúmeros projectos, planos, ações, e processos que estão ao alcance do controlo e da capacidade humanos. No entanto, de fora, os seres humanos são apenas um elemento, envolvidos no seu funcionamento e empenhados em garantir a sua continuidade. O estudo da tecnosfera possibilita que futuras arquitecturas criem novas associações entre entidades; entre políticas humanas, não humanas e pós-humanas e os seus espaços materiais.
Não há uma forma simples de refazer a imagem da cidade e adaptá-la à multiplicidade de seres que nela habitam. Afinal a Terra é um sistema fechado, essencialmente sem entrada nem saída de massa. A intensificação da cidade é, portanto, a transformação dos sistemas metabólicos. Tornar a cidade contemporânea mais leve pressupõe, assim, aumentar a energia de todo o sistema, de forma a reciclar a sua absorção de materiais para outros paradigmas metabólicos da Terra. Implica não menos, mas mais energia. Mais biosfera. Mais luz.
Territorial Agency (John Palmesino e Ann-Sofi Rönnskog) e e-flux Architecture
Quão pesada é uma cidade? A dificuldade em responder a esta questão aparentemente simples remete para um vasto conjunto de transformações que alteraram aquilo a que chamávamos cidade e o seu contexto: intensificação, construção, destruição, erosão, emissão, acumulação, duração, acidificação, semi-vidas, extinção, fossilização... Começa a delinear-se uma nova imagem de dimensão planetária. Calcular o peso da cidade exige uma mudança de perspectiva, ou seja, é necessário afastarmo-nos da imagem de um espaço densamente humano rodeado por um exterior indistinto, um outro espaço irreconhecível. Pressupõe uma nova estética, capaz de identificar os vestígios das actividades de uma fantasmagoria de entidades e de se sintonizar com os modos complexos de percepção da ciência, os múltiplos contributos da cibernética, e as novas associações e meandros da política.
Actualmente, pensar a cidade implica estabelecer uma ligação entre os espaços humanos e os espaços de todas as outras formas de vida, bem como os seus fluxos de matéria, energia e informação. Aquilo a que chamávamos cidade transformou-se numa intensificação de todos os processos que ocorrem à superfície da Terra. Pensar a cidade, hoje, é pensar numa relação coextensiva com a tecnosfera, o novo paradigma geológico que assinala a saída dos parâmetros holocénicos do sistema terrestre.
A cidade contemporânea dispersa-se em todas as direcções. É um sistema vasto e em expansão, impulsionado pela dinâmica da exploração dos combustíveis fósseis. É uma extensão da biosfera, composta pelos seus 8,2 x 10⁹ habitantes humanos, e por tudo o que nos mantém vivos, incluindo animais e plantas domesticados, pesca, plantações, terrenos agrícolas, infraestruturas, instituições, fontes de energia, sistemas de transporte global e reservas naturais. É uma cidade enredada numa multiplicidade de cidades de outras espécies.
A cidade é visível no céu, no crescente aumento de gases com efeito de estufa e na intensificação das tempestades e calor. A cidade está na terra, nas florestas e montanhas; na reconfiguração dos biomas e nos microplásticos presentes em quase todos os animais. A cidade está no desaparecimento da neve e no degelo dos glaciares; nos fluxos segmentados de água canalizada do que costumávamos chamar rios, e na retenção de sedimentos nos deltas. A cidade está na subida galopante do nível do mar; na reconfiguração da circulação oceânica; na pesca excessiva; e no desaparecimento dos recifes de corais.
A cidade contemporânea é a principal componente tecnológica da transição planetária do Antropoceno, cuja dinâmica desencadeia a rápida oscilação de todas as estruturas e sistemas que passaram a ser conhecidos como elementos inerentes ao sistema mundial moderno: identidade, nação, agregado familiar, local, classe, género, Estado, o internacional, o global... Todos surgem velozmente em contradição uns com os outros. Movendo-se entre estabilidade e dinâmicas complexas, extensão e intensificação, cibernética e linearidade, o actual sistema-mundo em crise não pode senão revelar-se um sistema terrestre numa trajectória instável.
A tecnosfera desafia a arquitectura, que é, em si mesma, a tecnologia da transformação da cidade. Vista de dentro, a cidade surge como o resultado de inúmeros projectos, planos, ações, e processos que estão ao alcance do controlo e da capacidade humanos. No entanto, de fora, os seres humanos são apenas um elemento, envolvidos no seu funcionamento e empenhados em garantir a sua continuidade. O estudo da tecnosfera possibilita que futuras arquitecturas criem novas associações entre entidades; entre políticas humanas, não humanas e pós-humanas e os seus espaços materiais.
Não há uma forma simples de refazer a imagem da cidade e adaptá-la à multiplicidade de seres que nela habitam. Afinal a Terra é um sistema fechado, essencialmente sem entrada nem saída de massa. A intensificação da cidade é, portanto, a transformação dos sistemas metabólicos. Tornar a cidade contemporânea mais leve pressupõe, assim, aumentar a energia de todo o sistema, de forma a reciclar a sua absorção de materiais para outros paradigmas metabólicos da Terra. Implica não menos, mas mais energia. Mais biosfera. Mais luz.
Territorial Agency (John Palmesino e Ann-Sofi Rönnskog) e e-flux Architecture